sábado, 2 de maio de 2009

A honra do moço

E ninguém sabe, além de Oé, e jamais saberia o que é indignação e raiva até ser chumbado pelo inimigo em traição, em um solo que não te pertence, tal qual um saco de farelo ou um boneco de areia. Já agora, caído com a cara na terra empoeirada, quase morto e humilhado, escorria um catarro no nariz que se misturava ao sangue... Oé pensava na cara cínica, nas gargalhadas e nas brincadeiras pejorativas de seus inimigos ao vê-lo morto daquele jeito. Modo este de como morreu:

Sentia a sua cara molhada de um vômito que ele mesmo não sabia a origem. Não sentira seu próprio vômito. Talvez estivesse anestesiado de adrenalina. Ou que algum tiro havia ferido lugar crucial. Mas sua tristeza provinha era de pensar que seus orixás não mereciam tal tratamento. Que ele, Oé Baleeiro, um mestre popular, congadeiro de Nossa Senhora de Rosário, capitão de Moçambique, merecia ao menos estar apresentável aos seus santos, sem o catarro...

Tentou levar a mão ao rosto e limpar a cara, num último ato de bravura e resistência. Levantou a mão à altura do peito — “não se importava com a morte” — pouca terra pouca terra pouca terra — “coração tal como locomotiva” — tremulava de indignação e força de vontade — “só queria uma última dignidade” — alcançou então o queixo em atraso e não conseguiu. Morreu ali mesmo, sujo...

Três minutos depois estaria, de toda a diligência o primeiro, nu, e tão farpado de chumbo, pesado, que para empurrá-lo ribanceira abaixo, em sua cova, foram necessários cinco soldados.

Oé acertara. Era ele o saco de risadas: molambo. O motivo das piadas dos burocratas: sem honra. Morrera de chacota...


Fernando Aquino

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